Mesmo quando se
demonstra que aborto não é uma “questão de saúde pública”, ainda deve-se
considerar outros argumentos que pretendem justificar a despenalização do
aborto nos diversos Países, especialmente os da América Latina. Vejamos outros
e busquemos colaborar ainda com reflexões suscitadas pelo tema da Campanha da
Fraternidade de 2012 no Brasil (Fraternidade
e saúde pública), assim como nos debates surgidos no cenário político
nacional.
Questão de hipocrisia? Há quem argumente dizendo: “há muitas mulheres que recorrem ao aborto
no Brasil, de modo irregular, correndo grande risco de vida. Permitir que isso
continue ocorrendo é uma grande hipocrisia. Essas devem ser protegidas e o
Estado deve dar condições apropriadas a mulheres pobres para que possam
‘abortar’ de modo seguro, sem correr perigo de vida, assim como deve proteger às
que possuem suficientes recursos”.
Esse argumento
parte de um pressuposto falso: que são muitas as mulheres que morrem no Brasil
por causa do aborto cada ano. Já demostramos que esses dados são falsos e que
os únicos dados científicos e fiáveis que temos são os fornecidos pelo
ministério da Saúde brasileiro (DATASUS)[1]. Mas, independentemente disso,
analisamos a forma mesma desse argumento, aplicando o mesmo tipo de
argumentação a outros problemas sociais. Por exemplo: sabemos que no Brasil é
grande o número de pessoas que alguma vez na vida ingeriu alguma bebida
alcoólica antes de dirigir, embora haja uma explícita proibição do nosso Código
de Trânsito. Poderia alguém argumentar dizendo: “a lei que pune quem dirige
depois de ter consumido bebida alcoólica é uma grande hipocrisia, já que um
grande número de pessoas do nosso País o faz. Essa lei deve ser cancelada, de
modo que a população possa infringi-la tranquilamente, sem ser punida?”
Evidentemente, o fato de que muitas pessoas infrinjam alguma lei justa não faz
com que a mesma perca o seu valor. O fato, para citar outro exemplo, de que muitas
pessoas tenha experimentado alguma vez certo tipo de droga, não faz com que as nossas
leis de combate às drogas sejam hipócritas. Do mesmo modo, o fato de que haja
muitas pessoas que recorram ao aborto (fato que deveria ser demonstrado e não
suposto), não torna lícito o ato de eliminar uma vida humana inocente (não
faria lícito o “homicídio intra-uterino”).
Questão científica? Há quem diga que o aborto não é questão
de consciência pessoal, mas é algo que pode ser resolvido somente pela ciência
e só é contrário ao aborto quem ainda defende certo “obscurantismo religioso”. É
interessante notar que quem busca justificar o aborto desse modo supõe que as
únicas pessoas inteligentes do mundo são os defensores do aborto e que motivos
contrários ao mesmo só podem provir de uma argumentação irracional e religiosa.
E se servem dos seguintes argumentos 1) nas primeiras semanas de concepção, o
embrião (alguns criaram a categoria de “pré-embrião”, que vem sendo rejeitada
inclusive pela União Europeia) é apenas um grupo de células, desprovida de
sistema nervoso, de modo que a mulher pode fazer com o seu corpo o que quiser;
2) além disso, é algo muito discutido quando se começa realmente a vida humana;
Esses argumentos são tão repetidos quanto
falaciosos. Em primeiro lugar a ciência mesma afirma que a partir do
momento da concepção, da fecundação do óvulo pelo espermatozoide, começa a
existir um ser vivo com um DNA humano único. O
embrião, sendo ainda uma célula, possui um DNA único e jamais se dará novamente
uma informação genética igual. Esse ser possui as características próprias de
um ser vivo: unidade, continuidade, autonomia e especificidade. a) Unidade:
possui uma individualidade biológica, é um todo composto de partes organizadas,
que possui como centro organizador o genoma humano; b) Continuidade: significa
que não se dá nenhum salto qualitativo desde a fecundação até a morte. Todo o
desenvolvimento daquele ser está previsto pelo genoma; c) Autonomia: desde o
ponto de vista biológico, todo o desenvolvimento se dá desde o princípio até o
final de modo autônomo; a informação que dirige esses processos provém do
genoma, já presente no embrião. Desde o início ocorre um “diálogo químico” do
embrião com a mãe, que o nutre e custodia; d) Especificidade: esse ser vivo
pertence exclusivamente à espécie humana.
Desse modo, o que dirige todo o processo
de desenvolvimento, passando pelo nascimento e prosseguindo até o final da vida
é o genoma humano. Depois de 2 semanas da fecundação, o embrião está
totalmente implantado no útero. Na semana seguinte, já está
formando o cérebro, a medula espinal e os olhos e depois de
alguns dias o coração começa a bater. Esse ser vivo, identificado por
um DNA único, se fosse retirado do útero materno poderia viver até 80 anos
congelado, assim como qualquer outro ser humano. E se pode “viver congelado”, é
porque se trata de um ser vivo. É verdade que o embrião se alimenta
da mãe, assim como os recém-nascidos o fazem e como fizemos todos nós. O
embrião e o feto, porém, não são parte do corpo da mulher. Aceita-lo
significaria, além de negar evidências científicas, desprezar
injustificadamente o papel e a importância do pai. Desde o ponto de vista
meramente material, o embrião não se forma espontaneamente no corpo da mulher,
mas necessita sempre da participação do homem. Isso é algo evidente, mas tende
a passar despercebido. Aquele ser que é gerado, não pode ser considerado como
um objeto, como uma enfermidade ou como um pedaço da mulher, mas sim como um
indivíduo único da espécie humana. Não há nenhuma dúvida científica séria sobre
esses temas, o que às vezes ocorre é a manipulação de alguns dados científicos
por motivos ideológicos.
Perseguição às mulheres? Há quem diga ainda que a penalização do
aborto significaria um modo de perseguição às mulheres, uma forma de
discriminação e de desrespeito à “igualdade” e à dignidade da mulher. Além
disso, dizem (e com razão) que nenhuma mulher pretende realmente fazer o
aborto, e quando o faz, necessita de ajuda e não de uma punição por parte do
Estado.
É lógico que quem
pensa que a lei do aborto deve continuar como está não pretende perseguir
nenhuma mulher. Na prática, nenhuma mulher é enviada à prisão por ter cometido
um aborto no Brasil e ninguém deseja isso. O motivo pelo qual o aborto deve
continuar sendo considerado um crime é porque somente assim o valor incondicional
da vida humana é afirmado, em todos os seus estágios e é protegido contra todo
tipo de manipulação e ameaça. Manter legalmente a pena ao aborto significa
continuar afirmando a maldade intrínseca de tal ato, (o seu caráter de
reprovável socialmente) e o valor absoluto da vida humana. Um governo sério e
responsável deve ajudar a promover o bem estar das mulheres e elaborar políticas
que protejam a instituição familiar, de modo que não haja jamais a necessidade
de se pensar em recorrer ao aborto. Além disso, reconhecer que o aborto só
causa sofrimento é um motivo a mais para que esse não seja legalizado. Não é
solução para nenhum problema social o recurso a um gesto tão repugnante e violento
como a destruição de uma vida humana.
Ademais as leis têm
sempre uma função pedagógica nas sociedades. Antes de dizer o que deve ser
permitido ou proibido, as leis promovem e defendem bens e valores,
indispensáveis à construção de uma sociedade justa. Manter o aborto como crime
(e não aceitá-lo como direito) significa defender a vida humana, toda vida
(especialmente a dos seres mais indefesos), em todas suas fases e não
constitui, absolutamente, uma forma de perseguição contra as mulheres que
sofrem. Vale a pena lembrar que mais de 50% dos seres humanos mortos por causa
do aborto são mulheres e, paradoxalmente, não são muitas as feministas que
demonstram preocupação com essas vítimas.
Qual será, pois, a
justificação para uma possível despenalização do aborto no Brasil? Seguramente
nenhuma, a não ser a pressão de organismos internacionais que querem impor suas
Ideologias de morte nos diversos Países do mundo, através daquilo que vem sendo
chamado atualmente de “niilismo jurídico”. Essa teoria afirma que o Direito
positivo não possui fundamentos no Direito Natural, de modo que as leis provêm
somente da vontade do legislador, que expressaria o desejo da maioria, e não da
racionalidade implícita na mesma lei. Se isso fosse assim, o Direito se tornaria
um mero instrumento do poder, de modo que qualquer Ideologia ou qualquer
sistema totalitário poderia se justificar.
A verdade é que a despenalização
do aborto não é um desejo da sociedade brasileira, que se funda na instituição
familiar e que ama de modo incondicional a vida. Se fosse permitida tal
despenalização, isso consistiria uma atitude antidemocrática, que contrariaria frontalmente
a vontade da imensa maioria do nosso povo, assim como a confiança depositada nos
nossos governantes e se basearia exclusivamente em mentiras insistentemente
repetidas, infelizmente, por importantes organismos internacionais.
E o que poderia
fazer o povo brasileiro para mostrar sua rejeição ao aborto e para trabalhar
efetivamente pela defesa e promoção da vida humana? Qual gesto concreto,
inspirado na participação social e nos objetivos da Campanha da Fraternidade
desse ano, poderia ser feito no nosso País? Certamente nosso povo poderia
repetir o que fez de modo exemplar com a proposta e aprovação do Projeto de Lei
“Ficha Limpa”. De modo que poderia continuar mostrando seu amor pela vida e pela
autêntica democracia pedindo, por meio de abaixo-assinado, a aprovação do
“Estatuto do Nascituro” [2], que prevê a defesa da
vida em todas as suas fases, desde a concepção até sua morte natural, segundo
os princípios da Declaração Internacional dos Direitos Humanos, da nossa
Constituição[3]
e do nosso Código Penal[4]. Se isso for feito,
mostraremos ao mundo que não temos vergonha da nossa identidade, que não
cedemos a pressões ideológicas de grupos que só buscam promover,
injustificadamente, uma mentalidade de morte no mundo ocidental.
Pe. Anderson Alves,
Doutorando em
Filosofia na Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma.
[1] Os dados podem ser consultados em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/mat10uf.def
[2] Para conhecer o Projeto: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=345103
[3] “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade.”
[4] Código Penal Artigo 2º: “A personalidade civil da pessoa começa do
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro”.
1 comments:
Ontem assisti para de um debate sobre o tema na globonews e vi que a discussão segue mais pela paixão que pela razão. A parte que era contra o aborto estava bem preparada, mas a própria mediadora tomava partido. Além disso o outro lado sequer ouvia os argumentos direito.
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